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Abandonados nos Andes

Abandonados nos Andes

Aventura

Desde 2015 utilizamos nossos aparelhos SPOT, porém, ainda bem, apenas para divulgar que tudo está bem em nossas expedições e que alcançamos os cumes de nossos projetos e guiadas. No entanto, em 2016, precisamos de usar o SPOT seriamente. Naquele ano estávamos empenhados no Projeto Andes 6K, que consiste em escalar todas as 110 montanhas acima de 6 mil metros nos Andes. Um projeto ainda inédito e de grande projeção, no qual conseguimos o apoio de muitas empresas, dentre elas a SPOT, Deuter e a RedBull, que rodaria um documentário sobre essa expedição.

 

Nesta etapa participou: Jovani Blume, montanhista e mecânico gaúcho, chave importante na expedição por cuidar da manutenção dos veículos 4x4, Suzie Imber, montanhista e cientista britânica, que elaborou o código e conduzir as pesquisas científicas que nos fez descobrir e catalogar todas as montanhas dos Andes, Gabriel Tarso, premiado fotógrafo, filmmaker e montanhista que cuidaria dos registros durante a viagem, Maximo Kausch, protagonista do projeto, um dos montanhistas mais famosos de nosso continente, que na época lhe restavam apenas 12 montanhas para finalizar todos os 6 mil da Argentina e Chile, além de mim, montanhista de apoio e Maria Tereza Ulbrich, que atualmente é a brasileira com mais experiencia em número de cumes de alta montanha e que participou de metade de nossa expedição.

 

Escalar todos os 6 mil andinos é uma tarefa muito difícil e ainda ninguém o fez. São muitas montanhas com dificuldades diferentes. Há algumas que são muito fáceis, mas ficam muito isoladas e há outras que são extremamente técnicas, embora não seja difícil chegar em sua base. Nesta etapa nosso objetivo era escalar as 12 montanhas que faltavam para Maximo escalar o que restava das montanhas de 6 mil metros entre a Argentina e Chile, que também nunca ninguém havia realizado.

 

Partimos de Curitiba no fim de outubro e escalamos várias montanhas que estavam na nossa meta: Vulcão Antofalla (6440m), Vulcão Colorados (6080m), Vulcão Vallecitos (6168), Vulcão Condor (6414m),(todas estas raramente escaladas, fáceis porém extremamente remotas), além do Pissis (6795m), que é a terceira montanha mais alta dos Andes que Max escalou sozinho, Majadita (6280m) e Nevado El Toro (6168m) outras montanhas que ninguém escala e onde começamos a enfrentar dificuldades por conta da paisagem onde elas estão inseridas.

 

As primeiras 5 montanhas estão localizadas na Puna do Atacama, que é uma região planáltica com média altimétrica de 4200 metros. Um local desértico que apesar das dificuldades que inclui longas distancias em trilhas 4x4 pouquíssimo frequentadas, nos permite, sabendo dirigir bem e tendo um bom mecânico, chegar até a base das montanhas de carro. Já as duas ultimas montanhas já estão inseridas no contexto geográfico dos Andes Centrais, uma região com vales profundos que penetram os Andes, por onde só é possível chegar até as montanhas caminhando, em aproximações longas e exaustivas, o que de fato aconteceu.

 

Teríamos pela frente uma das mais longas aproximações dos Andes, que é a aproximação do Cerro La Mesa (6200m), um dos menos conhecidos 6 mil andinos, apesar de estar ao lado de um velho conhecido nosso, o Mercedário (6735m), a oitava montanha mais alta do Andes que já havíamos escalado antes, porém pela rota normal que fica em outro vale.

O vale que teríamos que percorrer, chamado de Vale do Rio Colorado, já era conhecido meu, pois em 2008 realizei uma incursão por ali com o objetivo de escalar a face sul do Mercedário. Ao invés de atingir este objetivo, acabei escalando outro 6 mil vizinho do La Mesa, o Cerro Ramada (6387m) e o técnico Cerro Negro, que tem 5800 metros. Desde aquela experiencia, a qual realizei carregando todo o peso nas costas, sabia da dificuldade de escalar por ali e por isso requeremos os serviços do arrieiro Negro Villaroel, que já havia trabalhado para nós em expedições passadas pela região.

 

Arrieiro é nome dado às pessoas que conduzem as mulas nos Andes. Trata-se de uma profissão muito antiga que vem da época da colônia, antes de existir trens e rodovias. Seria uma profissão extinta se não houvessem expedições nas montanhas andinas, que é o que faz ser necessário a procriação de muares e a permanência desta profissão dura. Como muitos arrieiros, Negro trabalhou durante muitos anos no Aconcágua, porém ele acabou esfaqueando uma pessoa depois de uma discussão e agora praticamente só trabalha nas montanhas do Cordón de la Ramada, a qual faz parte o Mercedário e La Mesa e o Cordón de la Ansilta, mais baixo. Ambas cadeias de montanhas acessadas de sua cidade Barreal, na Província de San Juan, de onde vem a maioria dos arrieiros dos Andes Centrais, mas que em oposição ao Aconcágua são montanhas menos frequentadas com clientes menos exigentes. Pois é, os arrieiros são meio brutos e resolvem as coisas à moda antiga.

 

Um pouco doente, Negro colocou a nossa disposição dois ajudantes. Combinamos como seria nossa escalada e onde encontraríamos os arrieiros que levaria nossos equipamentos até a base da montanha. O ponto de encontro seria um oásis localizado nas orilhas do rio Patos num local inabitado chamado de “Las Amarillas”, no meio do nada e um dia de aproximação com mulas.

 

Acontece que sabíamos da previsão do tempo e durante toda a expedição que naquele momento já durava mais de 40 dias, estivemos sempre descansando durante os dias de mal tempo e aproveitando as janelas para fazer os cumes. 

 

A verdade é que não estava sendo fácil e estávamos atrasados no projeto. Na verdade, fomos muito otimistas no princípio, pois em expedições passadas havíamos feito mais cumes em menos tempo. No entanto eram todos cumes próximos inseridos na realidade da Puna, onde a realidade que expliquei anteriormente favorece que realizemos muitas montanhas em menos tempo, enquanto que na realidade dos Andes Centrais isso não ocorre.

 

A previsão do primeiro dia de aproximação do La Mesa era de chuva, o que na realidade climática dos Andes Centrais seria comparável a ter um terremoto em São Paulo, ou geada na Bahia. Nunca acontece! 

 

Acordamos cedo e acomodamos nossas mochilas no teto e no porta mala do “Conway”, minha Land Rover Discovery 2 que até hoje me acompanha nas expedições. Adentramos o vale de Patos, que de inicio é um canyon profundo. O rio, naquele momento, aumentava seu caudal a medida que a chuva ia engrossando. Em cerca de 2 horas dirigindo pela estradinha de terra chegamos a “Las Amarillas”, que é uma fazenda abandonada. 

 

Os arrieiros nos esperavam dentro de uma casa. Entocados pelo frio da manhã, eles tomavam chimarrão ao lado de uma fogueira encobertos com um poncho. Vestiam chapéu, uma bombacha de tecido grosso e botas de couro, levando lenço no pescoço e a faca na cintura. Passamos toda a carga para eles e partimos para o começo da trilha que seria uns 30 quilômetros adiante numa ainda desconhecida trilha 4x4.

 

Após carregar as mulas, eles nos encontrariam pelo caminho, pois a pé, depois de estacionar o Conway, eles a cavalo nos alcançariam no meio da tarde. O caminho 4x4 era um atalho para atingirmos o meio do vale do Rio Colorado. Este caminho trilhava a crista entre o Rio dos Patos e o Colorados, até onde o carro pudesse subir. Daquele ponto, realizaríamos uma transversal e num local menos íngreme atingiríamos o rio Colorado economizando um dia de caminhada.

 

Até estacionarmos o carro, tudo transcorreu como o planejado. A ideia seria aproveitar o dia de tempo ruim para aproximar a montanha e quando o tempo melhorasse, escalar até o cume no meio da neve fresca. Porém aquele dia de mal tempo estava pior do que prevíamos.

 

Logo na primeira hora a chuva desabou. Água gelada escorrendo por nossas roupas impermeáveis, umedecendo nossas roupas de segunda pele por baixo. No entanto, como toda a carga, na qual inclui barracas, panelas, comida, sacos de dormir, isolantes térmicos e roupas de frio extremo para cume estavam com as mulas, caminhávamos rápido e em pouco tempo alcançamos o vale tributário que desemboca no Colorado.

Aquele local era uma rampa que dissecava o vale extremamente encaixado e exatamente por isso, suas laterais eram de paredões rochosos levemente negativos que nos serviu naquele momento para nos abrigar da chuva. Fizemos então uma parada para levar nosso lanche de trilha, única refeição que carregávamos na mochila.

 

Reunidos e alimentados, ficamos preocupados com a ausência dos arrieiros. Pelo horário adiantado da tarde, eles já deviam ter nos alcançados. Aproveitamos o abrigo para voltar um pouco a trilha e investigar se eles não haviam tomado outro caminho, mas nada vimos na neve recém caído senão nossos próprios rastros.

Ficamos na dúvida? Prosseguimos ou esperamos?

 

Após uma breve discussão, decidimos que seria mais prudente esperar. O local onde realizaríamos nosso pernoite, no vale do Rio Colorados ficava a mais de 6 quilômetros de trilha vale acima, tendo que atravessar o rio, já caudaloso por conta da chuva, duas vezes. Avaliamos que, se atravessássemos o rio e chegássemos ao acampamento e os arrieiros não estivessem lá, poderíamos morrer de hipotermia, mas se nos abrigássemos ao lado dos paredões onde estávamos, a gente talvez pudesse passar a noite e buscar ajuda no dia seguinte.

 

O problema era que estávamos a 3600 metros de altitude, estava nevando e fazendo temperatura negativa. Até aí tudo normal, mas não estávamos com nenhuma barraca, nenhum saco de dormir e nossas roupas e botas estavam molhadas.

 

Por sorte, Jovani carregava uma pederneira e essa era nossa única chance de fazer um fogo para nos aquecer. Como nos abrigos dos paredões estava seco, havia palha, gravetos e pedaços de madeira. Usando gravetos e a palha, ficamos cerca de 10 minutos riscando a pederneira, tentando fazer a palha entrar em combustão, assoprando para dar oxigênio. Entretanto, o ar rarefeito não ajudava, mas após muita insistência, conseguimos fazer um fogo e aguardar a chegada nos Arrieiros, que não apareceram aquela noite.

 

Aliás que noite! Não parou nenhum momento de nevar. Tivemos que nos encolher numa pequena cova, transferir a fogueira para a porta e passar a noite alimentando o fogo. Para não gotejar em cima da gente, improvisamos com um saco plástico e poncho e assim conseguimos vencer a longa e fria madrugada secando nossas roupas. Porém, nada dos arrieiros.

 

Ao amanhecer, já sem comer há mais de 20 horas e debilitados pelo frio, tivemos que discutir, de novo sobre o que fazer. Ainda não havíamos chego no local do acampamento combinado com os arrieiros e tínhamos a esperança que eles nos esperavam no local com nossas coisas. Se isso fosse verdade, era só chacoalhar a neve do corpo e prosseguir com o plano de escalar o Mesa. Afinal, tínhamos compromisso com nossos patrocinadores para dar continuidade ao projeto.

Para ter certeza do que fazer, ligamos para a Maria que já estava em Curitiba após retornar da expedição. Ela ficaria de olho nas mensagens do SPOT Gen3. Maximo iria até o local de acampamento e apertaria o botão de “Ok” se eles estivessem lá. Se ele apertasse o outro botão de mensagem personalizada, que estava programada com a frase “fiz cume”, era por que não havia ninguém no acampamento.

 

Foram momentos de angustia. Enquanto isso Max ia a caminho do acampamento, que não estava nada fácil, sendo que em um dos trechos de travessia do rio, ele teve que nadar de braçada. Imagine isso com a temperatura próxima de zero?

 

O resultado! Maria recebeu o sinal de que ele fez cume. Ali nossa expectativa de escalar o Mesa foi por água abaixo, mesmo que quem nos acompanhava achasse que mais montanha havia sido escalada.

 

No entanto, isso não resolvia o problema. Pois não bastava apenas voltar ao carro e à cidade mais próxima, precisávamos de nossos equipamentos para o prosseguimento da expedição. Mas onde eles estavam?

 

Antes mesmo de encontrar Max e tendo a resposta do que deveríamos fazer, nos pusemos à marcha para retornar os quase 10 quilômetros até o carro, atravessando aquele grande planalto entre os dois furiosos rios. Foram momentos de angústia e sofrimento, pois já estava debilitado dos 40 dias de viagem, tudo isso combinado com a noite gelada quase hipotérmica havia sido exaustivo e quase mortal.

Enfim, no meio da tarde alcançamos nosso carro e só ao aproximar notamos que nossas mochilas estavam enfiadas debaixo do mesmo. Ali tivemos a certeza do que ocorrera. Com medo da chuva, os arrieiros abandonaram a investida e acharam que nós faríamos o mesmo. Pouco depois de chegar ao carro, chega Max, com a água do rio evaporando em seu corpo quente após percorrer todo o longo caminho quase correndo.

 

Tivemos que desistir da escalada do La Mesa naquela temporada e encontrar o sol em outra montanha mais ao Sul, escalando o Marmolejo que foi minha última montanha naquela viagem. 

 

Max, Suzie e Tarso permaneceram para escalar o Nevado El Plomo no Chile, mas eu e Jovani tivemos que retornar, 8 quilos mais magros.

Espero nunca mais precisar usar o Spot de novo!

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