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O Primeiro Perrengue na Viagem | Israel Coifman

O Primeiro Perrengue na Viagem | Israel Coifman

Viagens

Eu sempre conto histórias lindas e muitos de vocês me chamam de inspirador. Obrigado! É uma grande responsabilidade, que ainda estou aprendendo a lidar, mas fico muito feliz em tocar algumas vidas de forma positiva. Não quero passar uma imagem fantasiosa.  A viagem, apesar de essencialmente linda, tem dias como o de ontem: dias em que tudo dá errado e só o que nos resta é a esperança. Passei por um grande perrengue pela primeira vez na estrada.

 

Como tudo começou:

Em Cusco fiquei duas semanas doente. Uma gripe forte me derrubou, tive febre, diarreia e outros sintomas de uma virose pesada. Depois de muitos dias de cama estava me sentindo melhor, nunca havia ficado tanto tempo parado e estava impaciente e ansioso para voltar a viajar. Ficar parado em cidade turística também significa gastar muito dinheiro e, ao me sentir um pouco melhor, juntei a fome com a vontade de comer e me mandei. Erro daqueles de quem não escuta o corpo (de novo) e dá razão para algumas intuições.

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Israel pedala por estrada no Peru.

Antes da minha saída, troquei os pneus pela primeira vez, eles estavam bem gastos e desalinhados. Há tempos sentia falta de pneus de montanha, já que tenho pedalado por muitas trilhas e asfaltos acidentados. Outro erro. Troquei o melhor pneu do mercado, que ainda tinha alguma lenha pra queimar, por um pneu mais gordo de uma marca que o vendedor me convenceu.

Saí de Cusco animado e decidido a viajar mais devagar que o normal, para dar tempo de readaptação ao meu corpo. Fiz 30km no primeiro dia. No segundo fiz 50 e no terceiro, 47. Sempre subindo as íngremes montanhas da região. Foi aí que minhas duas más escolhas começaram a repercutir: saúde e pneus.

Nesse mesmo dia tive uma subida dura e linda de 25km, mas os pneus furaram por três vezes na montanha e só com muita fé cheguei em Curahuasi. Assim que entrei na cidade, já a noite, os dois pneus arriaram outra vez. Durante esses dias minha garganta começou a inflamar e me incomodar muito.

 

O Perrengue de Verdade:

Decidi não acampar e ir a uma pousada. Eu tinha na carteira 100/s (cerca de R$100) e, como havia um banco na cidade, no dia seguinte decidi comprar duas câmaras novas e uma reserva para trocar as que estavam todas remendadas. Paguei a hospedagem e comprei comida para viajar. Ficou tarde e decidi ficar um dia a mais para poder sair cedo na manhã seguinte. Eu teria 40km de subida, antes de descer 30 até Abancay, uma cidade maior.

Fui ao banco sacar dinheiro e tive uma surpresa muito desagradável: o banco não tinha caixa eletrônico, apenas os clientes do Caja Cusco podiam sacar dinheiro em Curahuasi. Eu tinha apenas 5 soles na carteira e precisava pagar 20 de hospedagem. Fui conversar com o Sr. Gilbert, dono da pousada, e ele pediu para eu ir até o mercadinho, único estabelecimento na cidade que aceitava cartões e comprar algumas coisas que ele precisava! Ufa!

Dormi e acordei cedo para sair, enfim com tudo que eu precisava: pneus arrumados, comida, água e vontade… Mas faltou a saúde. Dois quilômetros depois e eu não conseguia mais seguir. Parecia que tinha uma laranja presa no pescoço, minha boca estava seca e doía até pra engolir saliva. Dei meia volta e fui a um hospital, lotado e sem previsão de atendimento. Me indicaram um posto de saúde que, mesmo sendo público, havia uma cobrança de taxa. Expliquei a situação e fui atendido de um jeito desleixado, pois não tinha dinheiro. Me deram uma receita de remédios, mas eu não podia comprar, porque as farmácias também não aceitavam cartão.

Foi aí que o perrengue ficou maior ainda. Eu não tinha condições para seguir, não tinha grana pra me medicar e nem para ficar mais uma noite na cidade. As agências de turismo, que vendiam passagens para vários destinos, não aceitavam cartão. Tentei “sacar grana” no mercadinho passando o cartão, mas não permitiram. Encontrei uns taxistas que poderiam me ajudar, porém, eles tentaram se aproveitar da situação me cobrando um valor 5 vezes maior que o normal: “tem um custo extra pela bicicleta…  é apenas um passageiro…”

Eles poderiam me levar até a cidade maior que eu queria chegar para poder sacar dinheiro, mas me irritei com a forma que me trataram e fui orgulhoso. Tentei carona por horas na entrada da cidade sem conseguir nada.

 

Nunca perca a Esperança:

Estava acostumado a sempre ter uma mão amiga e encontrar gente generosa, pela primeira vez isso não rolou. Não tinha dinheiro nenhum ali na hora e as pessoas simplesmente viravam as costas, não se sensibilizavam e nem faziam um esforço mínimo para ajudar. Montei na bicicleta e fui pra estrada, longe daquela cidade, com um resto de esperança. Tentei uma, duas e na terceira tentativa consegui uma carona! O José Carlos viajava de Cusco a Lima num 4×4 e me levou até Abancay.|

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Terminal de ônibus de Abancay, no Peru.

Nessa altura, minha garganta já doía muito, até para conversar. Entrei no primeiro hotel que encontrei, deixei a bicicleta e fui a um hospital, onde fui melhor atendido. Tomei uma injeção e fui medicado com antibióticos e anti-inflamatórios.

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Israel abatido por conta da doença.

Ali sentado, esperando para ser atendido, senti uma mistura de emoções e sensações, além da dor física. Por várias horas e pela primeira vez na viagem, me senti sozinho, encurralado e sem saída. Mas não me desesperei nem perdi a esperança. Vi como estou me transformando em alguém ainda mais resiliente e paciente. E de certa forma fiquei satisfeito, feliz por conseguir encontrar um caminho.

Eu fiquei mal acostumado com mais de oito meses de viagem encontrando apenas portas abertas. Não posso julgar quem não girou a maçaneta neste dia. Ninguém tem nada a ver com os meus problemas, ainda mais quando eles foram gerados por escolhas erradas e ingênuas que fiz. Há zonas de conforto até quando achamos que estamos bem fora dela. Há que vigiar, sempre!

A saúde, os pneus e o dinheiro? Tudo é aprendizado.

Estou me recuperando, e daqui só saio quando realmente estiver curado e 100% de saúde. Meu corpo reclamou e eu não dei ouvidos, não vou cometer esse erro novamente. Parece um grande drama, mas esse textão é mais sobre esperança, fé e resiliência. Logo mais estarei de volta. Tomara que com boas lições aprendidas.