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Uma Pedrinha na Mochila

Uma Pedrinha na Mochila

Para InspirarParcerias

Tem um livro que não sai da cabeceira da minha cama. Curiosamente, quem mais folheia ele nem sou eu, mas minha esposa. Um volume grosso, de capa verde, que chama atenção só de olhar. O título: A Última Criança na Natureza, escrito pelo jornalista americano Richard Louv, no início dos anos 2000.

Louv cunhou um termo que ficou na minha cabeça desde a primeira vez que li: transtorno do déficit de natureza. Ele usa essa expressão para explicar o afastamento crescente das crianças do mundo natural. Um afastamento que pode estar por trás de problemas como obesidade, déficit de atenção, depressão e até a perda de criatividade. E os vilões? São bem conhecidos: telas em excesso, medo do desconhecido e um planejamento urbano que deixa pouco espaço para o verde.


Mas Louv não está sozinho. Há anos, acadêmicos do mundo todo estudam os benefícios do contato das crianças com atividades ao ar livre. A lista é longa: melhora da saúde emocional, desenvolvimento motor, equilíbrio psicológico, redução do estresse…

No Japão, por exemplo, desde os anos 80, o Ministério da Saúde promove o Shinrin-yoku, o “banho de floresta”. A prática propõe algo simples: caminhar entre as árvores, respirar fundo, desacelerar. E com isso, colher efeitos como imunidade fortalecida, bom humor, menos colesterol e menos ansiedade.

O ponto é: uma criança dificilmente vai dizer, de livre e espontânea vontade, “Pai, hoje eu cansei de ver YouTube. Que tal fazermos uma trilha?”. Esse passo — de sair de casa, de propor, de inspirar — somos nós, pais e mães, que precisamos dar.

Como? Permitindo o brincar livre, mesmo que isso signifique roupas sujas ou joelhos ralados (aquela marca de sabão em pó não tira todas as manchas? Então relaxa). Aceitando riscos controlados (pode subir no pé de goiaba, sim! Até o último galho, ou na gripinha, como dizia no interior de Minas). Mas, acima de tudo, dando exemplo: caminhando, usando menos o carro, fazendo piqueniques, mostrando que existe um mundo para além das notificações do celular.

Não está convencido? Pense pelo lado econômico. Para Louv, “Na natureza, uma criança descobre não apenas o mundo, mas a si mesma”. São anos de economia em terapia…
Confesso que não consegui dar à minha enteada todo o contato com a natureza que gostaria — mas tenho me esforçado com as netas. Uma delas está se formando em biologia. A outra se apaixonou por esportes radicais. Coincidência? Talvez. Mas acredito que a semente foi plantada.


Hoje, como pai e avô, sou eu quem leva bronca. Vou pra natureza, sim, mas ai de mim se esqueço o Spot. O rastreador via satélite virou exigência básica. A tela do computador em casa virou um Big Brother, seguindo meus passos — atualmente em Montana, cruzando os quase 5.000 km da Continental Divide Trail — a cada dez minutos. Se não levo o Spot, recebo sermão. A maior bronca que levei na minha frustrada volta à Ilha de Florianópolis, que contei no último texto, foi justamente dela.

Então, deixo aqui meu convite: pais, mães, responsáveis — façam um favor aos seus filhos (e a vocês mesmos): levem-nos ao mato. Um passeio, um encontro, uma descoberta. E sim, com segurança em primeiro lugar. Porque é só assim que, um dia, vocês vão ver essas crianças crescerem feliz e lhes darem netos e netas. Um amor em outro nível. Um tipo de vínculo que você precisa viver para entender.

E mesmo depois de tudo isso, a Tati — a quem hoje chamo de filha, mãe das minhas netas — ainda me faz um pedido de criança a cada nova viagem: “paizão, traz uma pedrinha da trilha pra mim?”

Sempre a mesma coisa. Uma pedra. Pequena, sem valor algum — a não ser pra quem carrega memória em forma de coisa. E cá estou eu, feliz da vida, atravessando o continente com uma pedra na mochila. Do Canadá ao México. Só porque sei que isso vai fazê-la sorrir.

Imagens: Jeff Santos (@distancialonga)
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