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Esporte Adaptado: Meu primeiro rapel de muletas

Esporte Adaptado: Meu primeiro rapel de muletas

Aventura

Quarenta e cinco metros em linha reta te parece muito? E 45 metros para descer um morro? E se você for descer esse morro de muletas?

Há quem diga que isso não é tarefa para quem tem uma deficiência como a minha. Afinal, como vai descer de um paredão se mal se consegue apoiar em uma única perna para caminhar nos locais mais previsíveis? Na vida de alguém que caminha de muletas, é comum que humanos que pouco lhe conhecem tenham a pretenção de saber mais sobre seu corpo do que você mesmo. Em outras palavras, estão frequentemente buscando dizer quais são seus limites.

Foi assim quando decidi que faria um rapel. Há inclusive profissionais da área que se recusam a exercer a atividade com uma pessoa com deficiência. Seria difícil demais? Ou talvez seria apenas fora do padrão demais para quem ousa pouco em seu dia a dia?

Independente da razão que motive pessoas a desacreditarem da capacidade física e intelectual de pessoas com deficiência, me atenho àquelas que embarcam comigo no que muitos chamam de loucura. Eis que encontrei uma empresa que, sem pestanejar, concordou em colocar uma mulher de muletas para fazer rapel.

O cenário da proeza ficou a cargo da cidade do Guarujá, a uma hora e meia da capital do estado de São Paulo.

Em um fim de tarde após dia de chuva, cheguei ao mirante do Morro da Campina, também conhecido como Morro do Maluf, que marca o início da praia da Enseada (ou o final dela, dependendo do ponto de vista).
 

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O mirante, que conta com rampas, vagas no estacionamento para PCDs, piso tátil e corrimão, costuma receber turistas que buscam um ângulo diferente da cidade - e com segurança. Cercado por um parapeito, a vista de cima do morro é, de fato, privilegiada. Mas claro que eu queria mais do que isso. Mais do que ver, meu objetivo era sentir.

Mesquita é o nome do rapaz que, seguramente, algum turista do lado de dentro das grades pensou ser ou louco, ou herói. Ao contrário, Mesquita sabe o que está fazendo. Confia no seu trabalho, no seu equipamento e confia também em mim. É a receita que precisamos para fazer essa descida dar certo.

Mal havia chegado, em poucos minutos os equipamentos estavam todos preparados. Ele encaixa a corda nos pinos com a mesma facilidade e agilidade com que empunho minhas muletas para realizar qualquer caminhada.

Ainda do lado de dentro da proteção do parapeito, ele começa a me preparar. Ali mesmo, coloco os equipamentos de segurança. O olhar de espanto do público que agora sequer observa a bela vista do mirante, me acompanha. “Como assim, essa menina vai fazer rapel de muletas?”

Assim, me direciono ao abismo.
 

Os primeiros 5 metros

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Mesquita foi contundente ao me avisar antes mesmo de chegarmos ao morro: os primeiros cinco metros seriam os mais difíceis. E ele estava certo.

O topo do morro possui formato côncavo, o que os especialistas chamam de inclinação positiva. Ou seja, para começar o rapel propriamente dito é preciso colocar força nos pés e ir se equilibrando com ajuda da corda até chegar a um ponto em que você ficará, de fato, pendurado.

E tudo o que uma pessoa com deficiência nos membros inferiores não tem é…? Força nos pés. Decido fazer alguns metros com apoio das muletas e que, quando começarmos a nos afastar do topo, entregarei minhas companheiras para uma pessoa que irá me encontrar lá embaixo.

Os próximos metros seriam eu, as cordas, o instrutor e o tênis que teria de dar conta da aderência na pedra pós-chuva através da única perna que apoio no chão.

Comecei a descer confiando na pouca força que tenho na perna esquerda, no solado do tênis e, claro, em Mesquita. Como havia chovido ao longo do dia, meu receio era escorregar e deixar para sempre a marca da pedra em meu rosto.
 

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Aos poucos fui arrastando o pé em que apoio no chão em um estilo “moonwalk” (o famoso passo do Michael Jackson), para garantir que conseguiria me movimentar e descer até o ponto onde o rapel em si realmente começaria.

Segui com meus dois pontos de apoio, meu pé esquerdo e Mesquita, cujo ombro foi fundamental no percurso. Aos poucos, arrastando o tênis na rocha, avançamos, até finalmente ter condições de, literalmente, ficar pendurada.
 

Os últimos 40 metros

 

A partir daí, já pingando de suor - leve uma boa camisa de manga longa e proteção UV -, o exercício passou a ser de coordenação motora. Chegou a hora da autonomia. Quem comandava a corda era eu mesma. Mesquita era o suporte na retaguarda e, claro, a confiança de que eu precisava.

Em pontos estratégicos, parávamos para respirar. Era o momento em que eu olhava pra cima e tinha a dimensão do caminho que já havia percorrido. Olhava para o lado e via o mar perto o suficiente para ver as ondas, e longe o suficiente para parecer que eu era maior do que ele. Para trás, a pedra molhada com suas folhas erguendo-se de maneira improvável.

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Aos poucos, cada centímetro descido trazia a sensação de imergir, de pertencer a cada vinco daquela rocha. Afinal, é o que se sente quando se percebe parte da natureza. Sente-se forte e poderoso por estar integrado a ela. E pequeno por ser apenas parte dela.

E assim, aprendendo a controlar os centímetros da corda que me sustentava, desci até tocar o solo e abraçar minhas muletas novamente.
 

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