Agora sim, chegamos na Bulgária, e chegamos também na União Europeia. Mas o frio que tinha dado uma trégua nos últimos dias na Turquia, havia voltado e no exato momento que cruzamos a fronteira, a neve resolveu aparecer para nos fazer companhia. Quem conhece o “Diário do gaúcho no Canadá” deve entender nossa situação, pois estávamos virando protagonistas dessa história. Essa é uma piada que conta a experiência de um brasileiro que foi morar no Canadá. Num primeiro momento ele adorou a neve. Mas os meses foram passando, ele foi se irritando e não aguentou, voltou para o Brasil, pois não queria mais saber dessa tal de neve e do frio. Quem quiser ler esse diário é só procurar na internet por “Diário do gaúcho no Canadá”. É muito engraçada e vale a pena dar umas boas risadas.
O estado búlgaro é bastante antigo, do século 7. Mas há evidencias de vida humana nessas terras de milhares de anos. Os búlgaros estiveram em constantes guerras para defender seu território contra os bizantinos, porem, no final do século 14, não resistiram a invasão otomana, que, alias, haviam também vencido os bizantinos. A Bulgária conseguiu independência dos turcos como um principado autônomo somente em 1878 e a independência completa em 1908. Entre 1912 e 1913 envolveu-se na guerra dos Balcãs e na Primeira Guerra Mundial lutou no lado dos que foram derrotados, o que resultou em uma massiva perda de território. Na Segunda Guerra Mundial também fora perdedora, passando a ser comunista em 1946, influenciada pela União Soviética, o que durou até 1990. Depois da queda da União Soviética, o país passou por diversas crises econômicas severas, tendo o padrão de vida búlgaro caído em quarenta por cento. Voltou ao patamar antigo somente em 2004.
A Bulgária é rica em cultura, arquitetura, natureza e iogurte. Parece piada, mas os búlgaros são muito orgulhosos do seu iogurte, que é produzido pela bactéria Lactobacilos Bulgaricus. Dizem eles que é o mais saboroso do mundo e que só existe lá, alias, aparentemente o iogurte foi inventado por eles. O turismo é outro ponto forte, especialmente no verão devido as belas praias no litoral do Mar Negro. No inverno muitos viajantes são atraídos pelas montanhas dos Balcãs que atravessam o país lateralmente (leste a oeste) e que hospedam diversas pistas de esqui e outros esportes de inverno. O que faz a diferença com os países vizinhos europeus, são os preços muito mais econômicos.
Nossa impressão foi muito boa por todos os lugares que passamos, especialmente das pessoas e da arquitetura. O país é bem desenvolvido, mas no interior a vida é bem rural. Nós dirigimos até a costa do Mar Negro, na cidade Sozopol e de lá fomos subindo o vale que acompanha os Balcãs e em cada cidade que visitávamos, por exemplo: Veliko Tarnovo, Tryavna, Koprivshtitsa, dentre outras vilas pequenas, percebíamos que a arquitetura alternava-se da água para o vinho. Em Veliko Tarnovo há um castelo imponente que pertencia ao segundo Império Búlgaro. Gostamos tanto das casas desse país, que fizemos um post especial sobre elas em nosso website, CLIQUE AQUI.
Sofia, a capital, foi a cidade mais fria de todo o trajeto, onde a temperatura esteve sempre abaixo dos -10C. Ficamos lá por dias, pois aguardávamos uma encomenda dos correios e esta demorou mais do que o esperado. Como acampamos no estacionamento de um posto de combustível por esses dias, já estávamos ficando manjados naquela parte da cidade e recebendo visitas de pessoas que trabalhavam na região e nos viam ali todos os dias. Mas dos males, o menor. Aproveitamos a longa parada para fazermos manutenção em nosso carro, circulamos pelo centro histórico, subimos a montanha Vitosha que também é um Parque Nacional com uma estação de esqui e ainda fomos a Plovdiv, uma cidade que superou inclusive a capital no quesito charme. Uma de seus destaques é um anfiteatro romano, que ainda está em boas condições de preservação.
A caminho da fronteira da Macedônia, a última atração que conhecemos e que merece menção é o monastério dos tempos medievais, Rila. É uma bela obra arquitetônica. Há uma fortificação de quatro andares, que contem 300 aposentos para monges e a igreja situa-se ao centro. As paredes da igreja contem pinturas incríveis. Por fora as imagens são fortes, inclusive com o diabo e quando se entra na igreja (proibido tirar fotos, uma pena), elas representam a salvação. Muito interessante a transmissão desse conceito através da arte.
Quando cruzamos para a Macedônia muita coisa mudou. Ela não faz parte da União Europeia, é mais pobre e menos desenvolvida que a Bulgária, com estradas precárias e muitos pedintes nas ruas. Mas é também muito bonita, especialmente por estar cercada por altas montanhas. Nas estradas frequentemente cruzávamos com carros antigos da marca sérvia Zastava, que por serem pequenos e charmosos, estilo carro do Mr. Bean, chamavam especialmente a atenção da Michelle, que sonha um dia ter um desses.
A Macedônia foi o primeiro país que conhecemos da antiga Iugoslávia. Após lermos um pouco sobre ela, ficamos surpresos com sua história. Começou muito bem, na verdade, nas mãos do filho do Rei Felipe II, o nada mais nada menos que Alexandre, O Grande. Sim, ele nasceu na Macedônia e em seu reinado, expandiu estas fronteiras praticamente até a Índia. Mas após a sua morte, o reinado caiu em declínio e então, fora conquistado pelos romanos ainda antes de Cristo, pelos eslavos no século 6, pelos búlgaros no século 7, pelos bizantinos no século 10 e pelos otomanos no século 14, os quais comandaram até 1913. O primeiro meado do século 20 participou de várias guerras e em 1945 passou a fazer parte da Iugoslávia, ou melhor, República Socialista Federal da Iugoslávia. Em 1991 um plebiscito decidiu pela saída da Iugoslávia e em 1993 foi admitida na ONU com o nome Antiga República Jugoslava da Macedónia. Sendo nós brasileiros, nós temos que dar o braço a torcer aos europeus, pois na escola, na matéria história, nós estudamos apenas quinhentos e poucos anos. O passado deles é bem mais extenso e complexo.
Para cruzar a Macedônia nós não precisamos dirigir muitos quilômetros, isso que entramos no Nordeste e saímos pelo Sul. Na capital Escópia gastamos pouco tempo, pois nosso plano era ir para as montanhas esquiar. Dirigimos aos pés das montanhas que fazem fronteira com o Kosovo e depois, das montanhas que fazem fronteira com a Albânia. A montanha que esquiamos pertence ao Parque Nacional Mavrovo. Foi divertida nossa brincadeira com esquis, apesar de nossa inexperiência. Mas uma coisa nós podemos garantir: esportes de verão são muito mais atraentes para nós. No dia que esquiamos fez muito frio, com forte nevasca.
No caminho ao sul cruzamos por algumas vilas interessantes estabelecidas nas montanhas. Para nossa surpresa, elas possuíam mesquitas, ao invés de igrejas. Depois descobrimos que a Macedônia, além dos 65% de cristãos ortodoxos, hospeda cerca de 33% de islâmicos e boa parte deles vivem nessas vilas. Os resquícios do domínio otomano.
E então chegamos em Ohrid, uma cidade que possui belas construções medievais. Foi uma cidade importante na era bizantina, pois fazia parte da Via Egnatia, que conectava Constantinopla ao Mar Adriático. Hoje é um dos destinos mais visitados no país. Do alto de um castelo tínhamos uma vista linda de um grande lago, também chamado Ohrid, que possui 2/3 de suas águas na Macedônia e 1/3 na Albânia. 300 metros de profundidade e 3 milhões de anos fazem dele um dos lagos mais profundos e antigos da Europa. O ponto mais fotogênico da cidade, talvez o mais fotogênico de todo país, é onde foi erguida a Igreja Sveti Jovan at Kaneo, num penhasco as margens deste lago de água cristalina.
Passamos pela cidade Bitola e seguimos para a fronteira, para cruzar para um país que há muito tempo desejávamos conhecer – a Grécia, mas a história sobre ela ficará para o próximo diário. Ainda no guichê da fronteira do lado da Macedônia, o oficial, quando descobriu que éramos brasileiros, arrancou seu distintivo de polícia que estava preso apenas com velcro em seu uniforme, e nos presenteou, falando: “levem isso como souvenir da Macedônia.” Penduramos o distintivo em um de nossos armários e o trazemos com todo carinho. A esses pequenos gestos nós damos muito valor.
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