Texto escrito diretamente de La Paz, Bolívia, para a SPOT Brasil.
A montanha me ensina demais sobre o tempo, sobre a minha relação com o outro e sobre o meu corpo. E uma das coisas que eu aprendi – e que é sempre reforçada pelo guia que me acompanha no #7CUMES, o Maximo Kausch – é cuidar muito bem da aclimatação.
No livro “Aconcágua”, comentei algo mais ou menos assim: “se você não sentir a altitude nos primeiros dias, pode ter a falsa sensação de que seu corpo dominou a montanha. Isso é perigoso, porque pode imprimir um ritmo de caminhada que certamente causará danos mais pra frente, como fortes dores de cabeça”. E é assim mesmo. A cada passo, nosso desempenho vai diminuindo, mesmo a partir de altitudes não tão altas, como a de 1.500 metros.
![Ziller no percurso do Aconcágua, em fevereiro de 2015 | Foto: Gabriel Tarso](/getattachment/2b3fb295-27b1-4d26-9f70-52285174a97e/bolivia_0.jpg?lang=pt-BR)
Ziller no percurso do Aconcágua, em fevereiro de 2015 | Foto: Gabriel Tarso
Corta para a Bolívia
Eu e meu treinador Yan Ouriques, da Rokaz Escalada, guiados por Angel Armesto, do Gente de Montanha, estamos fazendo um treinamento importante em terras bolivianas, para o projeto #7CUMES. Vamos escalar três montanhas por aqui para o corpo e a mente se adaptarem melhor a altitudes mais elevadas, como a que vamos encontrar no Everest (conto melhor essa história neste link: gziller.com/expedicao-bolivia).
Pois bem. Uma vez na Bolívia, senti forte essa questão da aclimatação, logo na chegada. O roteiro foi o seguinte: peguei um avião em Belo Horizonte, que está localizada a 900 metros acima do nível do mar e, seis horas depois, pousei no aeroporto de La Paz, a 4.200 metros de altitude.
Pra explicar melhor a situação, vale fazer uma analogia. Voar de BH até a capital boliviana é quase a mesma coisa que sair de Minas Gerais e ir direto, sem pit stop, para Plaza de Mulas, onde fica o Campo Base do Aconcágua (Argentina), a 4.369 metros de altitude. Pensa comigo: para chegar até lá, foram necessários seis dias de aclimatação, passando por diversos treinos e experiências, até o corpo se adaptar. De BH a Bolívia, levamos apenas 6 horas, dentro de um avião. A chegada lá foi um susto. Mesmo.
Uma outra comparação interessante é com o que rolou no Elbrus (Rússia), onde cheguei a 3.600 metros (no Acampamento Base da Montanha) só lá pelo quarto dia, depois de um processo intenso de aclimatação em uma estalagem no pé da montanha.
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Equipe 7CUMES na ascenção do Elbrus | Foto: Gabriel Tarso
Voltando para La Paz
Preciso dizer que a chegada lá é realmente uma experiência muito esquisita. Pra você ter uma noção da localização do aeroporto, acima dele só mesmo os cumes das montanhas. As cidades ficam todas para baixo. Para chegar à capital boliviana, então, descemos para 3.600 metros, onde passamos a primeira noite. Confesso que, para mim, foi uma noite bastante difícil. Não só pelo forte impacto da diferença de altitude, como também pelo cansaço de uma noite anterior mal dormida e pela quantidade de trabalho que acumulei durante a semana.
![La paz bolivia america do sul ziller](/getattachment/9170c1e1-c322-4891-bd50-ad10eedfce4b/bolivia_2.jpeg?lang=pt-BR)
Nas ruas La Paz, Bolívia
Pra fazer mais uma analogia, comparo essa noite à que eu tive em Nido de Condores, onde está o segundo acampamento avançado do Aconcágua, a 5.552 metros. Aquela foi uma noite miserável, com taquicardia e apneia. A diferença é que, em Nido, dormi em uma barraca, cheio de roupa, dentro do saco de dormir, com vento a 70 km por hora e um desconforto extremo. Aqui, dormi em uma cama confortável, cheia de cobertores e dentro de um quarto, protegido do vento e do frio. Ainda assim, foi uma noite muito ruim.
Só pra explicar melhor, não tive dores de cabeça ou alguma condição específica de uma aclimatação que te carrega para o mal da montanha, o que rolou comigo foi um mal-estar geral, com um pouco de náusea e algumas idas ao banheiro. Se você não tiver cuidado, malandro, esse “mal-estar geral” te derruba facilmente. E, nesse caso, aquietar a mente é preciso.
Com toda essa experiência, avancei mais um grau no meu processo de aprendizagem sobre aclimatação. Lição de nível superior. E o que posso dizer é o seguinte: em uma situação como essa, com a qual me deparei nos primeiros dias em La Paz, é necessário poupar energia a qualquer custo, até para abrir um saquinho de bala.
Para segurar essa onda, também é essencial beber muita água. Muita água mesmo. Aclimatação e hidratação se complementam nesse processo. E, pra finalizar, outro ponto bastante importante – que foi que o mais segurou a minha onda – é focar no pensamento positivo. Saber deixar fluir também ajuda. Assim, tudo melhora.
#Avante!