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O paraíso do Kitesurf, do Ceará ao Piauí

O paraíso do Kitesurf, do Ceará ao Piauí

EsportesViagens

São duas da manhã, a escuridão impera e acabo de chegar a Fortaleza depois de 3 horas de voo e um choro de criança mimada constante que não me deixou pregar os olhos. O caminho até Cumbuco é curto (35km) e rápido a essa hora da madrugada. Pouco mais de meia hora depois de aterrissar no aeroporto internacional, já estou carregando minhas tralhas para dentro da pousada Kite Cabana, num dos paraísos brasileiros do Kitesurfe, o Cumbuco.

Todos dormem, enquanto eu escovo os dentes imaginando a aventura que está prestes a começar. Serão quase 400km velejando no rumo leste da costa cearense, com destino a Barra Grande, já no Piauí. Nesse ano serão 123 velejadores participando dessa celebração a céu aberto de um dos esportes que mais cresce e faz crescer a economia do turismo esportivo no nordeste brasileiro, o Kitesurfe. Durante a temporada, entre os meses de julho a novembro, os ventos alísios são constantes desde o Rio Grande do Norte até o Amapá, soprando sempre de oeste para leste, o que garante o funcionamento desse verdadeiro motor de popa a impulsionar nossos velejadores rumo a Barra Grande.

Kalangão invade as praias cearenses Kalangão invade as praias cearenses

Este é o Kalangão, porque um calango, esse resistente réptil nordestino, não é suficiente para aguentar a barra desta viagem, é preciso ser Kalangão. Por ser um velejo a favor do vento, o pessoal costuma se referir ao Kalangão como um downwind de cinco dias, passando por alguns dos melhores locais para a prática do kitesurfe no planeta. 

Sim, porque esta é uma região privilegiada do globo terrestre, onde os ventos são fortes e constantes, o tempo é seco, a temperatura é ideal e os preços são módicos, principalmente se você for um turista estrangeiro. Aliás, grande parte das pousadas no estilo rústico/sofisticado que encontramos pelo caminho são tocadas por gente de fora, que encontrou no nordeste o ambiente ideal para criar os filhos praticando esportes e vivendo da simplicidade, junto ao que sempre prezaram, o vento!

No dia seguinte, 20 de setembro, a turma toda reunida escutou o primeiro briefing da viagem com o Kalango master, Marcus Vinicius, o famoso Poly, idealizador desta viagem que já comemora cinco edições na rota das emoções. O primeiro trecho seria de Cumbuco até Lagoinha, em Paraipaba, com cerca de 80 km de velejo. 

Não sou um velejador assíduo. Na verdade, meu último velejo tinha acontecido a quase seis meses, no riozinho do Campeche, em Floripa, durante um breve sopro de sudeste que aconteceu enquanto eu passava alguns dias na ilha da magia. Muito pouco para quem pretende se aventurar no famoso Kalangão, acompanhado por mais de cem velejadores que fazem do kite o seu estilo de vida. Mas tudo bem, pensei, o velejo é a favor do vento, é downwind, e na descida todo santo ajuda, né?! Eu não poderia estar mais enganado… 

Velejar a favor do vento não é tão simples quanto parece. Para ser eficiente, cobrir distâncias menores a uma velocidade maior, é preciso uma certa técnica, que eu logicamente não tinha… Dito isso, por volta das onze horas começou a batalha. Eu sai velejando sem problemas, mas manter a reta, com o mínimo de zig-zag possível já seria uma vitória, que eu não tive. Foi bem mais complicado do que imaginava. 

Com isso, demorei muito mais tempo que a maioria dos velejadores para cruzar o primeiro trecho e, num piscar de olhos, lá estava eu em último lugar na fila dos Kalangos. Mas sem derrubar o kite na água nem uma única vez, o que já era impressionante.

Tiago Brant kite surf Spot Gen3

Cheguei ao primeiro ponto de parada, no píer do porto do Pecém, ainda a tempo de ver o pessoal reunido. Mas dali pra frente o caldo iria entornar. Eu tinha enorme dificuldade em descer com o vento e meu avanço era ridículo comparado ao de outros velejadores. Com o tempo eu fui cansando e aí, eu sabia, mora o perigo. Debilitado pelo cansaço, o sol forte e a consequente desidratação, comecei a cometer erros bobos que, não demorou, derrubaram meu kite na água pela primeira vez. Enquanto eu conseguisse redecolar a pipa sem deixar que os fios se enrolassem, tudo bem. Mas, lá pela décima primeira vez em que derrubei o kite, foi justamente o que aconteceu! Começava ali um breve período de desespero (já sem prancha, sozinho no mar e com minhas linhas enroladas na pipa), que só não foi maior porque a equipe de segurança de água, comandada pelo próprio Poly, chegou rapidamente para ajudar. Ufa! 

Voltei para a praia e de lá peguei uma carona para chegar à Lagoinha, primeiro objetivo da viagem, já de noite, enquanto todos comemoravam o primeiro dia de Kalangão entre amigos. E por falar nisso, Poly, meu mais novo amigo, veio tomar uma cerveja comigo para dizer que perrengues acontecem e que esse é exatamente o espírito do Kalangão, passar por algumas roubadas na companhia dos amigos que estarão sempre lá para ajudar. Uma verdade que eu teria os próximos quatro dias para comprovar.

No segundo dia de Kalangão, de Lagoinha a Icaraizinho de Amontada, seriam mais 85 km de velejo, passando pelas praias de Lagoinha, Guajiru, Flexeiras, Baleia, Caetanos e muitas outros paraísos até chegar em Icaraizinho de Amontada, terminando o segundo dia com mais um belo por do sol, na beira da praia, com usinas eólicas de um lado e a pousada Vila Mango de outro, um lugar incrível, com todo o conforto que se pode esperar de um resort de luxo, em meio às dunas cearenses.

O balé das Pipas

O terceiro dia seria extenuante. 135km de downwind rumo a um dos destinos mais procurados por kitesurfistas de todo o planeta, o Preá, bem ao lado da famosa Pedra Furada, em Jericoacoara. Nem preciso dizer que não completei esse trecho todo por mar. Apesar de já estar me sentindo bem melhor e mais confiante que no primeiro dia, eu ainda tinha dificuldades para descer o vento em linha reta numa velocidade razoável e, portanto, optei por fazer a maior parte do trecho de carro, com a estrutura de apoio de terra, que contava com 23 carros 4×4 fazendo a logística do Kalangão pelas estradas cearenses. Menos confortável e divertido que por mar, porém com mais segurança!

Já na reta final do Kalangão, o quarto dia seria entre o Preá e Camocim, um trecho cheio de Dunas com belas paisagens e várias usinas eólicas no caminho. Eu já estava velejando bem melhor a essa altura, mas ainda assim cometi um erro, derrubei o kite, as linhas enrolaram e aí já viu, né? Fui pro carro novamente! 

A boa notícia é que, aos poucos, eu já conseguia velejar paralelo à praia, quase em linha reta, chegando perto do que se espera num downwind. No final do trecho eu voltei para água só para curtir a chegada a Camocim, na barra do rio Coreaú. Um momento épico, com direito a mais um por do sol majestoso e a certeza de que, em quatro dias de Kalangão, eu tinha melhorado, e muito, meu velejo.

Agora restavam apenas 90km até Barra Grande, no Piauí, destino final dessa aventura. Uma vila que se desenvolveu muito nos últimos dez anos, graças a um médico visionário e o turismo proporcionado pelo kitesurfe. A BGK, pousada que receberia o último dia de Kalangão, é uma referência na região. Bangalôs charmosos em frente à praia, piscina e todos os serviços que se pode esperar de um resort cinco estrelas, a pousada é administrada pela família do Dr. Ariosto Ibiapina, um médico de Parnaíba que comprou alguns terrenos no povoado quando ninguém imaginava investir por ali. Aos poucos Dr. Ariosto foi se apaixonando pelo esporte, convidando amigos para conhecer aquele paraíso e construindo chalés entre um downwind e outro. Aos 65 anos, o Dr. fez o último trecho do Kalangão com um sorriso no rosto e a certeza de que está colhendo as sementes de felicidade que jogou ao vento, dez anos atrás, ali mesmo em Barra Grande.

O Kalangão avança

Onde ficar no trajeto incrível do Kalangão?!

  • Cumbuco – Kite Cabana (R$ 115,00 single / R$ 180,00 casal)
  • Lagoinha – Hotel Platô  (R$ 115,00 single / R$ 180,00 casal)
  • Icaraí de Amontada – Pousada Vila Mango (R$ 230,00 single / R$ 420,00 casal)
  • Preá – PousadaVilla Bela Vista (R$ 160,00 single / R$ 240,00 casal)
  • Camocim – Pousada Ilha do Amor (R$ 115,00 single / R$ 190,00 casal)
  • Barra Grande – Pousada BGK (R$ 190,00 single / R$ 260,00 casal)
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