“Estou perdido!”
Poucas frases provocam tanto medo em quem caminha por montanhas e florestas.
Assim como não se deve dizer “desta água nunca beberei”, também jamais deveríamos afirmar: “nunca vou me perder”.
Mesmo os mais experientes já erraram o caminho. Eu mesmo nunca me perdi completamente numa trilha, mas já tomei rumos errados que me obrigaram a voltar. A diferença entre um susto e uma tragédia, muitas vezes, está em como reagimos ao perceber que estamos desorientados.
Quando até os experientes se perdem
Histórias assim são mais comuns do que imaginamos.
Um guia, acostumado à Serra dos Órgãos, certa vez deixou o grupo para buscar ajuda - um dos participantes havia se ferido e não conseguia caminhar. Na névoa densa da floresta, o próprio guia acabou se perdendo. Foram dias de busca com dezenas de pessoas até que o encontrassem.
Um corredor de montanha experiente, habituado ao Pico dos Marins, errou a rota em meio à neblina, desceu por grotões sem saída e, após uma noite de frio intenso, faleceu por hipotermia.
Na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, um caminhante entrou sozinho já à noite. Errou a direção, desapareceu e foi encontrado morto dias depois em um vale isolado a menos de um quilômetro de área urbana.
Outros tantos se desviam em travessias longas - como dois amigos que erraram a bifurcação da Trilha do Ouro e só saíram no dia seguinte, 40 km adiante, em uma cidade diferente da planejada.
Alguns reencontram o caminho. Outros nunca mais.
O primeiro passo para sobreviver: parar
Se um dia você se vir em meio à floresta sem saber onde está, a primeira atitude é parar e pensar.
O instinto inicial costuma ser seguir em frente - e é aí que a maioria se perde de verdade.
Mantenha a calma, respire fundo e não permita que o medo decida por você. O pânico é o maior inimigo da sobrevivência.
Reflita este pensamento "o medo não é real, o perigo existe mas o medo é uma escolha. O medo existe somente em nossa mente".
E pergunte-se:
Há sinal de celular ou algum meio de comunicação?
Dá para avistar algum ponto habitado ou sinal de trilha?
Faz quanto tempo que deixou o último ponto conhecido?
Essas respostas ajudam a avaliar se é possível voltar ainda com luz do dia - ou se é melhor se preparar para pernoitar com segurança.
Se for preciso passar a noite
Se anoitecer e você ainda estiver desorientado, aceite a situação com serenidade.
Às vezes é mais seguro parar e esperar o amanhecer do que insistir em caminhar no escuro.
Procure um abrigo natural - uma encosta protegida, árvores densas, um barranco seguro.
Afaste-se de cursos d’água (onde o frio é maior) e evite lugares sujeitos a queda de galhos ou pedras.
Com galhos, folhas e troncos, improvise um abrigo que o mantenha minimamente aquecido.
Lembre-se: quanto maior a altitude, mais o frio castiga.
Use a lanterna com moderação - a bateria pode ser vital mais tarde.
Um apito é excelente para ser ouvido à distância; se não tiver, é possível improvisar um com materiais da floresta. Como fazíamos quando crianças usando a grama.
E, se a névoa for intensa, espere passar. Andar sem visibilidade é um convite a acidentes ou se perder ainda mais.
Movimentar-se ou ficar parado?
Na maioria das situações, é melhor permanecer próximo do ponto onde percebeu que estava perdido.
Os resgates geralmente começam a partir da última localização conhecida - afastar-se pode dificultar sua busca.
Só se mova se tiver certeza absoluta da direção.
Rios e córregos podem levar a áreas povoadas, mas também a desfiladeiros e cachoeiras - siga-os com cuidado e apenas se o terreno for seguro.
A calma é a chave. Observe o ambiente, evite riscos e conserve energia.
Em breve, quando perceberem sua ausência, equipes de busca provavelmente partirão na sua direção.
Como se prevenir antes de sair para a trilha
A melhor forma de sobreviver é não precisar testar sua capacidade de sobrevivência.
Antes de qualquer aventura:
Pesquise bem o local e as condições climáticas.
Avise alguém sobre o trajeto e o horário previsto de retorno.
Envie sua localização antes de entrar em áreas sem sinal.
Tenha um plano de contingência: com quem está indo, por qual rota, e onde pretende dormir se for preciso.
Na mochila, leve sempre um kit essencial de emergência:
• Lanterna e baterias extras
• Apito
• Espelhinho para sinalização
• Isqueiro ou pederneira
• Faca ou canivete
• Capa de chuva e anorak
• Garrafa de água
• Pequena reserva de alimento
Esses itens pesam pouco, mas podem salvar a sua vida.
A floresta como espelho nós mesmos
Estar perdido é mais do que uma situação física.
É também um estado mental.
Às vezes, a floresta apenas nos convida a parar e ouvir o silêncio - a reencontrar o que realmente importa.
Nem sempre o caminho de volta é o mais curto. Pode ser apenas o que leva de volta a nós mesmos.