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Brasil Ride 2015 | O desafio de Mountain Bike

Brasil Ride 2015 | O desafio de Mountain Bike

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A Viagem

 

 

Adoro viajar. Quando deixamos nosso ambiente cotidiano, estamos abertos a novas experiências e aprendizados. Longe de casa somos apenas quem somos, nada mais. Distantes de nossos hábitos e das expectativas que, sem querer, impomos a nossos familiares e amigos, podemos nos redescobrir e aprumar o rumo de nossas vidas. É uma espécie de retiro em busca de nós mesmos. Enfim, é assim que percebo as viagens, uma oportunidade para conhecermos o mundo, tanto exterior, quanto interior. Dois dias depois de deixar prédios, trânsito e fumaça pra trás, já estamos em frente aos grandes paredões de pedra que marcam a paisagem da Chapada na Bahia. O calor é intenso e a hospitalidade do povo local também. A cerveja desce gelada e a conversa se esparrama sem pressa pela mesa dos bares da pequena cidade de Mucugê que se encontra de repente tomada por ciclistas vindos de todas as partes do Brasil. Amizades sólidas construídas durante outras edições do Brasil Ride estão mais uma vez ao alcance de um abraço e o sorriso corre solto por todas as rodas. A ansiedade chegou ao fim. Em breve estaremos desbravando a Chapada Diamantina acompanhados por velhas e novas amizades com um objetivo comum, pedalar. Que bom estar de volta… Porque, afinal, a melhor viagem é aquela que nos traz de volta a nós mesmos!

 

O prólogo da Brasil Ride é a etapa mais rápida da competição. Com cerca de 20 km e pouca altimetria, ela é um aquecimento de luxo para os dias que vem a seguir. De luxo porque concentra nesses 20 quilômetros todas as dificuldades técnicas que iríamos encontrar nos outros seis dias de competição, ou quase! Nesse primeiro dia de Brasil Ride, o acampamento começa a ferver com uma boa quantidade de atletas percorrendo o pátio do evento. Em poucos minutos, as largadas vão acontecendo e pouco mais de uma hora depois, a maioria das duplas já completou essa primeira etapa, que serve apenas para decidir quem larga com a camiseta de líder na segunda etapa, talvez a mais dura da prova, com 147 km de trilhas e estradas entre Mucugê e Rio de Contas.

 

Brasil Ride Tiago Brant

 

Depois de um prólogo curto e divertido, o segundo dia vem pra mostrar que a Brasil Ride não é brinquedo de criança. São 147 km e 3.355 m de altimetria, só nesta etapa. Um dia duro em todos os sentidos. Para começar, o despertador toca às quatro da matina. Enquanto o dia amanhece, o circo todo se prepara para mudar de cidade, saindo de Mucugê em direção à Rio de Contas, uma cidade tão singela e acolhedora quanto a outra. mas nessa hora ninguém se preocupa com o patrimônio histórico das cidades da Chapada Diamantina. É preciso separar os pacotes de carboidrato em Gel, encher as caramanholas, guardar câmaras de ar e ferramentas básicas na mochila, aplicar protetor solar e se preparar para encarar um dia longo e intenso no sertão. A prova larga às seis da manhã, ainda na penumbra, e vai esquentando durante o dia. Mais de cem quilômetros depois, quando tudo parece correr bem, somos surpreendidos com o famoso Vietnã, um trecho com cerca de 15 km de trilhas impossíveis em pleno vale do Rio de Contas. Um lugar maravilhoso e complicado. Muitas subidas e descidas técnicas, trechos de areia, lama e pedras soltas. Passar por esse lugar é uma autêntica batalha e o problema, como diria meu parceiro, é que já chegamos mortos ao local da guerra. No meio do caminho, depois de algumas quedas, percebi que tinha perdido meus óculos. Como assim, perder os óculos em plena trilha e não perceber? Coisas que só quem passou pelo Vietnã pode entender. O pior é que eu tentei achar os óculos e voltei atrás por cerca de 2km, esquadrinhando o solo sem sucesso. Perdi uma enormidade de tempo num lugar em que, geralmente, já estamos atrasados. Só fui me dar conta desse engano quando chegamos ao próximo posto de apoio para descobrir que tínhamos excedido o tempo limite e, portanto, estávamos cortados da etapa… Decepção total! Contra todas as nossas previsões, tivemos que subir a última serra de ônibus, junto a várias outras duplas que também extrapolaram o horário limite. Triste. Só que a Brasil Ride ainda não acabou e nós seguiríamos nela até o final, cumprindo todas as etapas, porque a melhor parte do caminho, é o caminho em si e não apenas a linha de chegada. Isso não tem camiseta de FINISHER que pague!

 

A vida continua

No terceiro dia, a prova continua com um cross country. São apenas 30,8 km de percurso, divididos em 4 voltas de 7,7 km. O problema é a localização da tal igrejinha. Postada no alto de um morro, a trilha que leva até ela é impossível de ser “zerada” e mesmo alguns dos melhores mountain bikers do planeta são obrigados a descer da bicicleta e empurrar morro acima, num piso seco e empoeirado. Ou seja, tração zero! Ainda bem que não é necessário dar mais que uma volta se você estiver cansado como eu e a maioria dos atletas amadores depois de um dia exaustivo. A etapa termina quando o primeiro colocado finaliza suas quatro voltas no circuito e os tempos de todas as duplas são descontados considerando o tempo desse primeiro atleta a completar as quatro voltas. Para nós amadores, essa é a oportunidade ideal para assistir os atletas de elite dando seu melhor. Excelente oportunidade para aprender um pouco mais sobre técnicas de pilotagem com quem mais entende do assunto, mesmo participando da prova. A verdade é que esse é um dia ideal para descansar e recuperar o corpo para os próximos dias, quando a quilometragem volta a subir e a resiliência será a única receita para completar o desafio.

 

 

 

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Tiago Brant e Rafael numa das etapas da Brasil Ride 2015

Vamos em frente

 

A Brasil Ride começa a fazer sentido a partir da 4ª etapa. O prólogo já ficou pra trás, assim como a etapa mais dura da competição e um cross country rápido na terceira etapa. No quarto dia, uma etapa exigente com 87km e mais de 2.000 metros de subida, a rotina se restabelece. A prova é dura e os excessos dos dias anteriores começam a cobrar seu preço. Uma única vantagem parece ser a sensível melhora na técnica de pilotagem. Todo o resto é sofrido e dolorido. Subidas com mais de 5km, trechos técnicos, trilhas impossíveis e sol a pino com temperaturas em torno dos 45º. É um gole d’água atrás do outro, carboidrato em gel a cada 45 minutos e tudo o que for possível comer em cima de uma bicicleta. Na quarta etapa, passamos mais de oito horas nessa condição. E pior, a quinta etapa seria mais extensa e tão dura quanto! Para cumprir o objetivo de completar a Brasil Ride, melhor comer, dormir e descansar a carcaça antes de alinhar para a largada da quinta etapa, às oito da manhã do dia seguinte… Por que fazer isso mesmo?!

 

Se na quarta etapa as coisas começam a fazer sentido na Brasil Ride, na quinta etapa elas já não fazem mais. O trajeto de 95km passa pela região mais seca e quente de toda a Brasil Ride, com um longo aclive no começo e bastante down hill na sequência. Mas as vezes o mapa da altimetria engana… Na realidade foram muitas subidas e, tá certo, muitas descidas, só que bastante travadas por pedras e areões, que dificultaram bastante a progressão das bicicletas. Isso tudo somado a um calor impressionante e… pronto, você já pode imaginar como foi o dia. E então o final do dia vai chegando, a cidade de Rio de Contas também e pouco a pouco as forças parecem voltar ao corpo. Cinco minutos antes de encarar a subida da serra verde, eu estava completamente sem forças mas, chegando ao ponto de apoio e vários copos d’água gelada depois, eu já não me sentia tão cansado. Fui pedalando devagar no início, uma pedalada por vez, fazendo 5 km por hora no trecho mais inclinado da serra, até que a inclinação foi diminuindo, minhas forças voltando e quando me dei conta, já estava desenvolvendo mais de 20 km por hora morro acima! O problema é que a sexta etapa será ainda mais longa, 143 km, com o despertar às 4 da matina e largada às seis horas da manhã. Se tudo der certo, no próximo episódio estaremos em Mucugê, para onde volta a caravana da Brasil Ride.

 

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Tiago ao fim da prova

A volta para Mucugê é mais rodada e teoricamente menos desgastante que a ida a Rio de Contas, mas na prática a teoria sempre é outra! Às dez da manhã, o termômetro marcava 43º C e as garrafinhas de água já tinham evaporado. No ponto de apoio que ficava exatamente na metade do percurso, desembrulhei e comi meu sanduíche de queijo e peito de peru que tinha separado para o almoço, tomei uma quantidade recorde de Coca Cola e água, enquanto mastigava com dificuldade por falta de saliva. A essa altura algumas duplas já tinham desistido e eu pensava em fazer o mesmo, mas não tinha coragem. Afinal o desafio era terminar a prova e, como eu já tinha conseguido em 2013, não queria admitir a derrota. Segui em frente. Onze horas e quinze minutos depois da largada, chegamos juntos a Mucugê e pudemos comemorar o (quase) final do desafio. Outra dupla que pôde comemorar foi a atual campeã, Jirka Novák e Hans Becking, que venceram a etapa e assumiram a liderança da Brasil Ride, faltando apenas mais uma para o fim. O último dia de Brasil Ride é uma verdadeira celebração do Mountain Bike na Chapada Diamantina. A largada foi tumultuada, às nove da manhã. É que no último dia de Brasil Ride, acontece a maratona Brasil Ride, uma prova idêntica à sétima etapa, só que aberta a outros ciclistas, vindos de diferentes estados brasileiros para pedalar na Chapada Diamantina. Em 2015, foram mil inscritos só nessa maratona. Some isso aos quinhentos atletas que participam dos sete dias de Brasil Ride e você tem uma ebulição de pessoas e bicicletas perambulando por uma Mucugê estreita, no coração da Chapada. Ao fim desses sete dias de pedal pela Chapada Diamantina, convivendo com alguns dos melhores atletas do planeta e centenas de amadores apaixonados pelo esporte, percebo que a Brasil Ride não é apenas diversão, esforço, resistência ou sofrimento. O que está em jogo é a superação, a resiliência. A sensação de plenitude que a superação de um desafio traz não tem preço ou termo de comparação. Quando a dificuldade aparecer (e ela sempre aparece), tenha paciência, para saber que nada dura para sempre, nem alegria, nem sofrimento. Tudo acaba, uma hora ou outra. E, quando o sofrimento acaba, sobra experiência, conhecimento e evolução! Então até a próxima Brasil Ride, porque ainda falta minha camiseta de FINISHER. Felizmente, essa não dá pra comprar, tem que conquistar!